2007/08/16

Depressa e bem não há quem

Embora não costume dar grande crédito a ditados, neste caso demonstra bem o sentimento dominante quanto à qualidade das coisas executadas rapidamente.

Quando entramos no campo do design, e mais especificamente ainda no design de objectos complexos como edifícios, manda a tradição que o projecto é uma actividade ponderada, morosa, penosa, até mesmo sofrida.

Tanto por razões artísticas – a inspiração não se apressa - como técnicas, o desenvolvimento de um projecto tem os seus timings próprios, que não se compadecem com eventuais urgências.

Por isso, para a maioria dos arquitectos, um projecto executado rapidamente equivale a um projecto mal executado. Depressa e bem não há quem.

Na minha desconfiança natural quanto a verdades insofismáveis, dogmas e outras certezas partilhadas pela maioria, gostaria de questionar este princípio.

Porque é que não é possível executar um projecto de arquitectura rapidamente?

Porque a inspiração demora tempo? Mas são as mesmas pessoas que também defendem que o projecto é 10% inspiração e 90% transpiração.

Porque as soluções arquitectónicas visam resolver equações complexas, de múltiplas variáveis, algumas delas só discerníveis durante o próprio projecto? Mas há muitas outras actividades, como o futebol, o xadrez, os desportos de combate, que vivem de decisões instantâneas ou rápidas.

É certo que um projecto de arquitectura não é um combate de box, mas será assim tão diferente, no pesar das condicionantes, optar pelas alternativas e escolher a melhor opção de momento em momento?

Parece-me que a ideia do projecto ponderado e lento advém maioritariamente do facto que, até recentemente, a tecnologia empregue na sua execução ter mais de 500 anos.
O arquitecto usou o lápis, o papel e a balsa como instrumentos principais na resolução de problemas arquitectónicos. Não porque estas ferramentas fossem as mais adequadas, mas porque eram as mais adequadas que existiam na altura.

O seu uso condicionou inevitavelmente as metodologias de trabalho. E estas metodologias, por serem baseadas em ferramentas de baixa rentabilidade, tecnologicamente pouco sofisticadas, eram necessariamente lentas no seu desenvolvimento.

Escavar um buraco com uma pá demora mais do que com um bulldozer.

Neste cenário, executar um projecto depressa significava sempre atalhar, queimar etapas, atamancar. Por isso, sería eventualmente legítimo afirmar que, nessa altura, depressa e bem não havia quem.

Mas o paradigma de produção está a mudar.

As ferramentas informáticas disponibilizadas estão a induzir na prática projectual aquilo que a mecanização e depois a robotização fizeram à indústria: Maior rapidez, menor custo e, na maioria dos casos, maior qualidade.

O uso do computador na assistência à concepção do projecto (e não como mera prancheta digital) permite actualmente acelerar significativamente a tomada de decisões.

O modelo digital, desenvolvido desde os primeiros momentos, serve para testar soluções, partilhar informação com terceiros – clientes e colaboradores – estimar custos, verificar o cumprimento de regulamentos, tudo em tempo real e de um modo quase instantâneo.

Neste enquadramento, qual a vantagem de demorar demasiado tempo a executar um projecto?

Aliás, não será a espontaneidade das primeiras ideias – que muitas vezes se perde durante a morosa execução do projecto – tão ou mais preciosa que a alegada maturidade das soluções?

Quem não sentiu que as ideias iniciais se esvaem entre os dedos com o andar do projecto, substituídas por soluções forçadas e desinteressantes?

A evolução do software de design arquitectónico aponta para que, num futuro próximo, seja possível proceder a todas as verificações de um modo automático, seja o cumprimento de legislação construtiva (e nós sabemos o quanto ela condiciona a arquitectura), a perfeita simbiose entre as várias especialidades, a real participação dos clientes nas tomadas de decisão, as estimativas rigorosas de custo de obra em qualquer fase do projecto.

Também o hardware tem caminhado para um interface mais intuitivo. Monitores cada vez maiores, input devices mais naturais para o projectista, computadores com capacidade de processamento e armazenamento cada vez maiores e mais velozes, irão contribuir para tornar estas ferramentas cada vez mais uma extensão do nosso cérebro.
Projectos que demoravam antes meses a concluir demoram agora semanas. Dentro de pouco tempo demorarão dias.

É previsível que a nossa geração de arquitectos ainda venha a trabalhar com tecnologia que permita desenvolver projectos em horas.

Para quem ficar agarrado a antigos conceitos, aplicando juízos baseados em tecnologias menos sofisticadas a novos métodos de trabalho, esta rapidez significará inevitavelmente a ruína da arquitectura.

Para quem entender que se trata de uma mudança de paradigma de produção, a informatização do processo de projecto apresenta-se como uma imensa oportunidade de inovação.

O primeiro passo é entender que é possível executar algo depressa e bem. Depende apenas da metodologia de trabalho.

11 comentários:

Krippmeister disse...

Se acontecer o mesmo que já se verifica na industria de efeitos visuais e pós produção, os prazos vão sendo também cada vez mais curtos, acompanhando o aumento da productividade. Apesar de eficácia aumentar, mantêm-se sempre a pressão do equilibrio entre o que se quer fazer e o que se pode fazer dentro do prazo estipulado.

Miguel Krippahl disse...

A arte do possível.

Krippmeister disse...

Geralmente é culpa da chefia que em vez de pensar "Boa! Com esta nova técnica podemos fazer coisas novas e melhores!" pensa "Boa! Com esta nova técnica podemos fazer a mesma merda exactamente mas mais vezes!"

Miguel Krippahl disse...

Embora a atitude do empregado também não ajude:
"Boa, vou poder fazer a mesma coisa tr~es vezes mais depressa e ficar o resto do tempo a mandar email/visitar blogs/vistar páginas xxx/ coçar os...

Krippmeister disse...

É por essas e por outras que nunca se devia abandonar o guardanapo como suporte de projectação.

Anónimo disse...

Quem havia de dizer que todos os meus manos são contra as rapidinhas?
Afinal, ainda há esperança ;-)
Cristy

Miguel Krippahl disse...

Sim, mas não para tí :oP

Carlos Pais disse...

Peço desculpa em meter-me na tertúlia familiar...

Não concordo com o Miguel quando diz que a atitude do empregado também não ajuda. É que muitas vezes o "mandar email/visitar blogs/vistar páginas xxx/ coçar os..." traz a inspiração para aqueles momentos de rara lucidez...

É preciso é que as ferramentas sejam cada vez mais rápidas para aproveitar esses momentos... e depois voltar a "mandar email/visitar blogs/vistar páginas xxx/ coçar os..."

Miguel Krippahl disse...

Cocordo. Mas não à custa do patrão...

Anónimo disse...

Não costumo comentar o teu blog porque não sei nada do assunto, mas quanto a esse provérbio, estou farta de o ouvir de alunos que querem alargar prazos de entrega de trabalhos e a minha resposta é sempre a mesma: espero que os médicos de serviço nas urgências não pensem assim.
Karin

Miguel Krippahl disse...

Regra geral, o argumento "depressa e bem não há quem" é utilizado por quem gosta de ficar a dormir atémais tarde.