2006/12/10

Uma questão de fé

Um dos maiores problemas que a implementação do BIM nos gabinetes de arquitectura levanta é a escolha da marca do software.

Até há pouco, a marca das ferramentas utilizadas pelos arquitectos não era relevante.

Lapiseiras Faber, Caran D’Ache ou Pentel, canetas Rotring ou Staedtler, o resultado final pouco dependia das preferências pessoais.

Com o advento do CAD tudo mudou. A escolha da marca tornou-se decisiva para o sucesso do gabinete.

E como muitas vezes acontece, a maioria dos arquitectos não escolheu o que era mais adequado, mas o que era mais popular.

A situação foi de tal modo monopolista que a maioria dos convertidos nem sequer considerou a hipótese de testar outro software do que aquele que vira a tornar-se, de facto, a norma CAD.

Em relação ao BIM, a coisa muda outra vez de figura. A gigante Autodesk não tinha nenhum produto especialmente vocacionado para a produção do Edifício Virtual, tendo adquirido em 2000 o recém criado Revit.

Mas no mercado já existiam outras empresas com forte tradição nesta tecnologia, como sejam a Graphisoft e a Bentley, pelo que se tem vindo a assistir a um subir de tom nas hostilidades comerciais entre os fabricantes.

Óptimo para os utilizadores, que só têm a ganhar com a concorrência e a perder com monopólios.

Mas não é a comparação dos programas que me interessa, mas sim o mecanismo que leva cada um de nós a adoptar, e principalmente a defender, o seu software BIM de eleição.

O meu é o ArchiCAD, por razões pessoais e circunstanciais na sua maioria. Mas poderia ser qualquer outro.

Trabalho com ele em média 8 horas por dia, 5 dias por semana, há mais de 6 anos. Sou o que alguns já apelidaram de “guru” do ArchiCAD, mas considero que o domino talvez a uns 70%.

Acho mais que natural que, ao fim destas milhares de horas de trabalho, se tenha desenvolvido em mim um sentimento pelo programa que se assemelha a afecto. Caso contrário, já teria destruído o meu computador à marretada inúmeras vezes.

Para além disso, tenho conhecido vários outros utilizadores, a maioria estrangeiros, esses sim verdadeiros gurus, que me têm ensinado quase tudo o que sei e que me têm invariavelmente transmitido esta enorme paixão pela metodologia do projectar através do BIM, e, em menor escala, pelo software que partilhamos.

Não duvido que se passa o mesmo em relação a utilizadores de outros softwares BIM. Aliás, do que tenho assistido, Bentley users e Revit users são tão ou mais fanáticos do que nós.

Acresce que nunca conheci um utilizador de topo que o fosse de dois programas concorrentes. Um Guru do Archicad não conhece, com a mesma profundidade o Revit. E vice versa.

Vem isto a propósito da caracterização desse sentimento que cada um de nós nutre pelo software que utiliza.

Em certos aspectos, ou na sua maioria, aproxima-se dos sentimentos que temos pelos nossos companheiros, pelo nosso clube de futebol, pelo nosso país, pela nossa religião.

É irracional e exclusivista.

Por muito que tentemos convencer os outros (e a nós próprios) que estamos totalmente abertos a mudar de opinião, a comparar o nosso software de eleição com outros de um modo isento, o facto é que somos tendenciosos nessa comparação, enaltecendo sempre as virtudes do nosso e os defeitos dos outros.

Faz-me lembrar uma discussão de representantes de várias religiões que assisti há pouco tempo. Todos eles, dentro do espírito do “diálogo ecuménico” tão em voga, respeitavam profundamente a religião dos outros, considerando que há mais do que uma maneira de chegar a Deus. Mas, quando confrontados com o facto inegável de só poder haver, por definição, uma religião verdadeira, sendo todas as outras falsas, todos eles acreditavam inabalavelmente ser a deles a verdadeira.

Haverá um ou vários mecanismos no nosso cérebro que nos permite acreditar inabalavelmente numa verdade, em exclusividade.

Seja ela a religião, o clube de futebol, o partido político ou o software BIM.

Ignorar este mecanismo é enganarmo-nos a nós próprios, e abrir a porta para o marketing dos fabricantes de software.

2 comentários:

Fernando Oliveira disse...

Muito bem, é mesmo a fé, no meu caso sinto isso desde que comecei a usar intensamente o Revit, e entendo a tua paixão pelo ArchiCAD, o que vem no seguimento da minha intervenção no Forum.

Bem explicado, publica este teu post lá...

Miguel Krippahl disse...

Fernando

My point is, devemos ter sempre cuidado com a nossa fé,porque nos pode cegar para os factos.